Noite de segunda-feira. Finalmente folga. Jantar em casa de uma amiga, da faculdade, e com quem não estava há largos meses. Aproveitámos para que eu conhecesse a casa nova dela, que partilha com o namorado de longa data. Enquanto conversávamos na cozinha, e ela cortava os tomates para a salada, o namorado despede-se. Diálogo:
Ele - Vou-me embora amor.
Ela- Fizeste as contas? (sempre com os olhos fixos na faca que cortava os tomates)
Ele - Não...faço amanhã.
Ela - (com olhar de insatisfação, sempre fixo na tarefa que efectuava) Não venhas tarde hoje.
Ele - Sim, por volta das 23h estou em casa, ok?
Ela - Tá. Tchau. (continuando com os olhos fixos na faca e nos tomates que ía pondo na salada)
Ele - Beijinhos. (Vira as costas e sai)
E não. Não estavam chateados. Desde que me lembro da C., ela sempre foi assim com o namorado. Sempre a corrigi-lo, a dar-lhe indicações, a moldar o seu comportamento social. A criticar o jeito bronco que lhe é natural.
A C. não é única. Muitas mulheres assumem os namorados, maridos, companheiros, etc, como uma espécie de bichinho de estimação que é preciso educar. Pôr à sua medida. Como o filho que ainda não têm, ou como um outro para além dos que já são dela. Por isso, vão corrigindo todos os defeitos deles: "Estás a beber demais", "não digas disparates", "não faças isso", "tens de ser mais assim", "tens de ser mais assado", "volta para casa assim que saias do trabalho"...
E muitos homens procuram isso. Parece que têm uma espécie de necessidade de perpetuar o controlo que sempre tiveram em casa das mamãs. Uma rédea curta que os faz sentir confortáveis e seguros. Ao mesmo tempo que essa "trela" os sufoca, têm medo de viver sem ela.
Ao assistir a esta interacção em casa da C., senti um sufoco enorme. Uma comichão que me percorreu o corpo todo. Durante o diálogo, lembro-me de pensar "isto é tudo o que eu não quero para mim"! Não quero uma relação de "mãe-filho", de "educadora-educado", de "dominadora-dominado". Não quero ter um namorado como um filho que tenho de moldar para viver no meu mundo e na sociedade. Não quero um homem que procure isso. Não quero uma vida a dois onde tudo seja responsabilidades, tarefas, papéis definidos. Sem defeitos, sem falhas, sem espontaneidade. Onde o fundamental para unir duas pessoas (o gostar de verdade), passa para último plano.
Quero sim, a realidade. O gostar de verdade. A pessoa que o outro realmente é. Com as suas qualidades e, sobretudo, com os seus defeitos. Com o que o distingue e é diferente de mim. Que faça tudo aquilo que é dele, mesmo que eu não goste. Que aja natural e espontaneamente, sem condicionamentos. Sem pensar que eu o vou criticar. Quero que o outro seja ele próprio. Seja a pessoa por quem me apaixonei. Porque quando nos apaixonamos por outra pessoa, apaixonamo-nos não só pelas suas qualidades, mas também pelos seus defeitos, pelo que é diferente de nós. Se esses defeitos desaparecerem ou, melhor, se ficarem escondidos e camuflados, a pessoa torna-se noutra diferente daquela que nos encantou. E a paixão desaparece. É substituída por outra coisa que, na minha opinião, é o que subsiste na maioria das relações. É o que caracteriza a relação da C.
E que eu não gosto nem um bocadinho.
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